Conheça a receita desse pão doce e aromático, símbolo da tradição gastronômica de Gemona, situada no Friuli Venezia Giulia. Um alimento que nasceu do encontro entre diferentes culturas da Europa central durante a dominação austríaca.
Durante séculos, Gemona del Friuli, vilarejo situado no nordeste da Itália, representou um importante ponto de passagem para o comércio e os fluxos migratórios em direção à Europa Central. Sob o domínio dos Habsburgos, a região não apenas servia como uma das portas de entrada para Viena, como também era reconhecida como um polo de mão de obra qualificada. Artesãos e operários partiam sazonalmente para trabalhar em fornos e fábricas do outro lado dos Alpes, retornando periodicamente com novas influências culturais e gastronômicas.
É nesse contexto que nasce o Pan di Sorc, um pão doce e saboroso, resultado de influências externas e adaptações locais. Antigamente, as famílias da região do Gemonese o preparavam nas épocas festivas, especialmente no Natal, como símbolo de partilha e tradição. Cada família tinha sua receita, mas a base de preparação era sempre a mesma: uma mistura de farinha de milho da variedade “cinquantino” (conhecido como sorc no dialeto friulano), centeio e trigo, enriquecida com figos secos, uvas-passas e sementes de erva-doce. O pão era assado nos fornos comunitários ou nas casas mais abastadas, onde parte da fornada ficava com o dono do forno, enquanto o restante era destinado às famílias ou presenteado às crianças.
Visualmente, o Pan di Sorc se distingue por sua forma arredondada e baixa, com uma crosta escura e crocante que protege o miolo amarelado e macio, com aroma marcante de polenta. Essa iguaria era consumida tanto com doces quanto com salgados, muitas vezes acompanhado de embutidos. Quando endurecia, podia ser amolecido mergulhando-o no leite ou usado como ingrediente do Crafùt, uma almôndega feita com fígado e rins de porco moídos, misturados com pão de milho ralado, uva-passa, raspas de limão e maçã.
O cultivo de grãos como cereais na região do Gemonese seguia ciclos bem definidos. Além do centeio e do trigo, cultivavam-se diversos tipos de milho, principalmente os tipos de ciclo curto também chamados de cinquantini por amadurecerem em cerca de 50 dias. Essa técnica possibilitava uma segunda colheita, essencial para complementar a economia das famílias. Com o passar do tempo, porém, o abandono gradual dessas plantações e a mudança nos hábitos alimentares fizeram com que o Pan di Sorc se tornasse um alimento cada vez mais raro e restrito apenas a núcleos familiares mais ligados à tradição.
Hoje, impulsionado por um novo interesse por produtos típicos e pela redescoberta de receitas antigas, o Pan di Sorc volta a ocupar o seu espaço à mesa, tornando-se uma testemunha viva de uma cultura gastronômica rica em história e sabores autênticos.
A seguir, confira a receita tradicional do Pan di Sorc reconstruída a partir dos relatos de Domenico Calligaro (padeiro) e Anedi Basaldella (moleiro), publicada no livro Mulini, farine, mugnai, editado em 2005 pelo CEA Mulino Cocconi ODV — entidade responsável pelo Ecomuseu das Águas de Gemona del Friuli.
Ingredientes para 4 pessoas:
- 100 ml de água
- 100 g de fermento natural (ou 25 g de fermento biológico)
- 50 g de açúcar
- 50 g de farinha de centeio
- 200 g de farinha de milho cinquantino (moída fina)
- 200 g de farinha de trigo comum
- 50 g de figos secos ou uvas-passas
- Opcional: uma pitada de canela e algumas sementes de erva-doce selvagem
Modo de preparo
Em uma tigela, dissolva o fermento na água morna. Acrescente o açúcar, uma pitada de sal e a farinha de milho, misturando bem. Adicione a canela e, aos poucos, vá incorporando as farinhas de trigo e centeio peneiradas, até obter uma massa homogênea e fácil de manipular. Transfira a massa para uma superfície lisa e enfarinhada, acrescente os figos ou as passas e as sementes de erva-doce. Se necessário, adicione mais água ou farinha de trigo para dar o ponto.
Quando a massa não estiver mais grudando nas mãos, divida-a em duas porções e passe-as na farinha de milho. Coloque-as em uma assadeira untada e deixe-as descansar por pelo menos duas horas. Em seguida, leve ao forno preaquecido a 180 °C por 30 a 40 minutos. Depois de frio, sirva-o em temperatura ambiente.